Escrito por Maria Áurea do Nascimento*

Faleceu no último dia 13 de maio, aos 89 anos, o ex-presidente do Uruguai, José Alberto Mujica Cardano, conhecido mundialmente como Pepe Mujica. Diagnosticado com câncer no ano de 2024, continuava ainda ativo e vivendo na chácara onde sempre morou nos arredores de Montevidéu.
Em viagem a passeio a Montevidéu, voltando de taxi naquele dia para o hotel no bairro de Pocitos onde eu estava hospedada, perguntei ao motorista como estava o ex-presidente. O motorista respondeu que ele havia abdicado dos tratamentos médicos, dizia que queria morrer com dignidade e que esperava pelo menos completar os 90 anos no dia 20 deste mês. “Meu ciclo acabou, sinceramente estou morrendo. O guerreiro tem direito ao descanso”, dizia o ex-presidente aos que iam visitá-lo.
Não foi possível para ele esperar o seu aniversário de 90 anos. Logo que cheguei ao hotel me deparei com a notícia que o ex-presidente havia acabado de falecer naquela tarde.
Mujica foi guerrilheiro integrante do Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros, que lutava contra a desigualdade social e por direitos dos trabalhadores uruguaios nos anos 1960. No período da ditadura uruguaia (1973 a 1985) ficou preso durante 12 anos, tendo sido submetido a todas as formas de tortura e isolamento no cárcere.
Em 1985, com o fim da ditadura, Mujica saiu da prisão e optou por se somar à Frente Ampla, uma coalizão de partidos políticos no Uruguai. Criou o Movimento de Participação Popular – MPP, tendo iniciado aí a sua trajetória política. Foi deputado, senador, ministro na gestão do ex-presidente Tabaré Vásquez e, em 2009, eleito presidente do Uruguai. Governou o País no período de 2010 a 2015.
Durante seu governo, a pobreza caiu de 30% para 11%, o desemprego chegou ao menor nível da história, 6%, e o PIB teve crescimento de 7,8% no primeiro ano de seu mandato. Mas, foi sobretudo no campo dos direitos humanos em que ficou mais conhecido. Descriminalizou a maconha como forma de combate ao narcotráfico, permitiu o aborto até a 12ª. semana de gestação e autorizou o casamento e adoção de crianças por casais homoafetivos.
Amado pela maioria do povo uruguaio, é conhecido no mundo por seu caráter ético, estilo de vida austero e suas ideias contra o exagero do consumismo no capitalismo atual, o qual, segundo ele o “Deus-mercado”, rouba-nos o tempo de vida a ser dedicado aos afetos, às emoções. “Quando você compra algo, não compra com dinheiro, compra com o tempo de vida que teve que gastar para ter esse dinheiro. E a vida é a única coisa que não se pode comprar.”
No dia seguinte ao seu falecimento, enquanto milhares de pessoas ainda participavam das homenagens ao ex-presidente, decidi ir ao Palacio Legislativo onde ele estava sendo velado. Em meio a cartazes com frases ditas por ele como “No me voy, estoy llegando” e “Vivir es tener uma causa para luchar”, e com flores nas mãos, as pessoas se juntavam na imensa fila para adentrar ao palácio. Me juntei a elas e observei pessoas chorando como quem chora quando perde alguém da família. Creio que assim ele era visto: uma pessoa do povo, como qualquer um que ali estava.
Pepe Mujica, não era um político comum, era um filósofo, um humanista, alguém que deixou profundas reflexões sobre a falta de união na política mundial, no verdadeiro sentido da palavra “política”, que requer acordos e entendimentos entre os povos para promover o desenvolvimento e a vida com dignidade. Se destacou, com seu estilo de vida simples, por suas críticas ao consumismo exacerbado na sociedade contemporânea, à exploração do trabalho e, sobretudo, por defender a democracia, a solidariedade e a justiça social.
Mujica também sempre defendeu o sindicalismo. Acreditava que um país justo depende do empoderamento dos trabalhadores e da construção de uma economia que priorize o bem-estar social e não apenas o lucro das grandes corporações. Mujica via o sindicalismo como um instrumento essencial para promover a justiça social.
Participar da despedida de Pepe Mujica, este evento histórico, foi para mim uma honra muito grande, da qual nunca irei me esquecer.

Maria Áurea do Nascimento é diretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Social da DS BH